terça-feira, 4 de maio de 2010

Deixem em paz os pacientes de doenças psiquiátricas.

Aqui e ali, na imprensa de um modo geral - escrita, televisiva, na web - se passou a utilizar termos que, se antes designavam doenças psiquiátricas, agora dão-se ao uso comum, para se qualificar e, principalmente, desqualificar: pessoas, processos, países, o que aprouver.
Antigamente um paciente que sofria de esquizofrenia era chamado de esquizofrênico, mas apenas nos meios médicos e psiquiátricos.
Hoje, por qualquer atitude sem muito nexo ou explicação lógica, vêm-se a adjetivar: esquizofrênico.
Algum destes escribas sabe o que é esquizofrenia? Sabe o que um portador desta doença sofre? Sabe como é seu dia-a-dia? Conhece os preconceitos a que estão sujeitos? O paciente e sua família?
Aposto que não.
Mas virou modismo chamar políticos corruptos e outros tipos mais de esquizofrênicos.

Hoje, dentre as doenças psiquiátricas, a onda é o transtorno bipolar.
Qualquer sujeito que mude de opinião, convenientemente ou não, é classificado como bipolar.

Alguém já escreveu sobre isso. Acho que foi na Veja. Deixa eu procurar.
Achei e, surpresa: Roberto Pompeu de Toledo, Revista Veja, Edição 2036, 28 de novembro de 2007.
Como é que eu pude me lembrar?
O título do artigo, bom e esclarecedor, é "A palavra como reforço à doença - O prejuízo que pode causar o recurso ao vocabulário médico em áreas que não lhe são próprias."
Segue o link: http://veja.abril.com.br/281107/pompeu.shtml

Pois é, estou citando Roberto Pompeu de Toledo.
Problema algum. Há muito não acredito no bem e no mal, no "preto no branco". Existe toda uma graduação de cinzas.
Não concordar com a maioria das opiniões do colunista citado e do veículo para qual escreve, não quer dizer que os dois não tenham algo a acrescentar.
Explicações à parte, volto ao tema.

No artigo citado, percebe-se que Roberto Pompeu de Toledo - cujo texto tendo a transcrever, mas que vale muito mais ser lido no original; decidindo-me então a recomendar a leitura - estudou bem o assunto.
Já eu, que não sou jornalista, escrevo movida pelo ímpeto e pela indignação.
Sou uma leitora contumaz, sem um bom livro para ler, releio os clássicos. Não os menosprezando, serve também bula de remédio ou rótulo de xampu.
Pois bem, caiu-me nas mãos o livro "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil", de Leandro Narloch, Editora LeiYa.
Nome pretensioso para um livro que anota fatos que qualquer pessoa de cultura mediana está cansada de saber, além de algumas especulações.
Chega de fazer propaganda do livro, ainda que negativa.

O fato é que o autor se utiliza de uma doença psiquiátrica - o transtorno bipolar - para desqualificar de tudo um pouco.
Principalmente o Brasil.
Atenção: nada de patriotada. Não estou aqui para defender país nenhum, tampouco sua "história", o que busco apenas é deixar bem claro que transtorno bipolar não é um adjetivo, é uma doença.
Imagino que o autor pensou estar usando uma metáfora.
Porém doenças não são metáforas válidas, atigem pessoas de verdade, que sofrem e muito com seus sintomas e tudo que vem junto a eles - empregabilidade, por exemplo.
Há o sofrimento psíquico, o físico, há o preconceito.
Ao desqualificar qualquer coisa com uma suposta metáfora em forma de doença psiquiátrica, o autor - ou melhor, os autores, o citado especificamente não é o único - desqualifica também o paciente.
Sem ao menos ter noção do que pode causar ao mesmo.
Não se trata de ser "politicamente correto", mas de respeito ao outro.

Voltando ao livro, apesar de ter topado com o transtorno bipolar sendo usado como adjetivo algumas vezes, mesmo indignada, continuei a leitura (pura falta do que fazer).
Até a página 144.
Nela, o autor escreve (sobre uma época da "história" da "nossa nação"): "O transtorno bipolar chegou ao pico de euforia."
E eu, ao pico da minha paciência.
Dá licença...

Um comentário:

  1. Patricia Villas-Bôas7 de maio de 2010 às 11:27

    Fernanda
    Não li o tal livro, mas achei fantástica sua crítica, é isso aí... sou do movimento antimanicomial que briga, entre outros, pela derrubada dos muros morais e culturais. Obrigada!
    Patricia Villas-Bôas

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